O ator Luiz Carlos, “Xuxu”,
alegre e simpático cego partiu na viagem do Além.
Deixou um enorme vazio em nossos corações, mesclado de saudade e doravante
a impossibilidade de compartilhar sua alegria e humor contagiantes. Deixou
sobre a mesa o texto de seu próximo personagem São Pedro que, com certeza,
interpretaria com o mesmo humor e galhardia de todos seus personagens cênicos.
Ficou feliz por ter tido a oportunidade de abdicar o personagem do terrível Rei
Herodes de várias temporadas natalinas, principalmente na última, onde, inocentemente,
virou de perseguidor a perseguido, na inusitada
caminhada da Sagrada Família, nas areias do deserto, rumo ao Egito,
participando como rei na fuga, ao invés de se preparar para se transformar em
burrico na cena seguinte, causando um pequeno atraso na troca dos figurinos.
Correto seria ele ser o burrinho que carregou Maria e o menino Jesus e não o
cruel e desatinado Rei Herodes. Luiz, depois disso, cansou de pedir desculpas,
nobreza de seu coração de artista. Claro que foi desculpado.
Artista insubstituível, vamos ter muito trabalho para arrumar outro São
Pedro. O que fazer, a vida
continua.
Deixou-nos um rico e incrível legado de dezenas de personagens. Ficamos
sem o Nandinho e suas trapalhadas, personagem assíduo freqüentador de velórios,
onde não conhecia o morto, cometia uma série de erros, deixando os presentes
confusos e furiosos e na sua oração final encomendando a alma do morto, cometeu
tantas barbaridades, trocando nomes, não conseguindo acertar a causa mortis,
que foi expulso do local e preso pela polícia. Personagem “bicão” que freqüenta
velórios, apenas para comer e beber as iguarias de um enterro de gente rica,
sem medir com as conseqüências de seus atos. Esse foi o melhor e mais engraçado
papel de sua carreira. Ganhou até uma gravação de pequenas cenas na TV Record
Litoral para ser exibida.
Ficamos também sem o rechonchudo Sancho Pança, companheiro inseparável
de Dom Quixote, o cavaleiro da Triste Figura, onde, numa cena memorável,
esqueceram de guardar os cavalos de pau na cocheira e foram para o salão da
estalagem com os bichos apoiados nas mãos, onde Dom Quixote recebeu a sagração
do título de cavaleiro andante. Ansiedade dos atores à flor da pele.
Depois tivemos Luiz no papel de fazendeiro de café, com um texto enorme
para decorar, onde o Luiz se saiu muito bem na peça teatral Festa na Roça de
Martins Pena.
A sua eterna colega de dança de salão Eli, também deficiente visual, perdeu
seu companheiro. Eles dançaram juntos numa gravação memorável que foi postada
na YOUTUBE com o título (link) – Cegos Também Dançam – São Verdadeiros
Artistas, com mais de 500 postagens.
Artista nato, dono de um senso de humor, incompreensível para um cego,
que tem motivos de sobra para não curtir a vida com alegria, ele, ao contrário,
estava sempre feliz e sorridente, contagiando todos que o cercavam, a ponto, de
ser escolhido através de centenas de votos, como “O Cego Mais Simpático da
Baixada Santista”, numa eleição promovida pela Revista Sentidos, editada
especialmente para os deficientes visuais. Todos votaram: motoristas de ônibus,
de praça, transeuntes, garis, margaridas, torcidas esportivas, amigos, etc, etc
. Sua fama cresceu.
Ficava muito feliz quando ouvia os risos e os aplausos do público e sua
única preocupação, antes de qualquer espetáculo, era saber se a casa estava
cheia. Queria caprichar na apresentação. Merece outra homenagem: uma placa com
o seu nome e apelido “xuxú” na porta do nosso teatro na Instituição Braille de
Santos. É o mínimo que podemos fazer para homenagear um artista tão ilustre,
que dedicou sua vida toda à instituição e sua eterna preocupação de que tudo
estivesse bem. Foi eleito também como diretor do Conselho Deliberativo da
Instituição Braille de Santos, que ele amava muito. Fica aqui registrada uma
solicitação à Instituição para que isso ocorra.
Santo Onofre, o santo protetor dos cachaceiros também foi personagem
hilariante que ele magnificamente interpretou na peça “Um Boêmio no Céu”,
reencenada por sete vezes.
Santo Antônio, santinho casamenteiro das solteironas encalhadas, na
peça teatral “Folias Juninas” foi mais um trabalho brilhante na longa lista de
personagens que Luiz interpretou.
Finalizando, vamos falar sobre a outra faceta cênica de Luiz – adorava
quebrar as rimas dos cordéis natalinos, que ficavam pontilhadas de improvisos
engraçados e inesperados, surpreendendo seus companheiros cênicos. Devemos
perdoá-lo pelo brilhantismo de suas atuações que, com certeza, vão prosseguir
no Plano Superior, onde re-encontrará seus colegas de palco, artistas como ele,
que partiram também de forma inesperada: Iracema, Marcelo, Marcilio, Odete, Olinda
e Ivone, todos eram deficientes visuais e o re-encontro produzirá o mesmo
efeito da peça teatral “Um Boêmio no Céu”, ou seja, uma bagunça musical na
Portaria do Céu, deixando São Pedro que estava atendendo a um chamado de Deus e
no retorno ficou alucinado e muito
zangado com a bagunça da turma. Artistas são artistas e seus arroubos e exageros
são perdoados.
Meu caro colega e amigo de jornadas cênicas desfrutadas nos últimos
quinze anos. Aqui fica nossa homenagem. Vamos rezar sempre pela sua alma e que
ela encontre paz e seja iluminada por Deus, nessa sua nova etapa no Plano
Superior.
Descanse em Paz e não faça muita bagunça ai. No futuro, qualquer dia,
com certeza, nos o reencontraremos!
AMEM!!!
João (Ivan) Matvichuc
Professor de teatro
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